quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Reflexos do meu passado....

Quando meu pai deixou de ser um super herói

Um dia cinza. Não recordo com precisão a data, mas é certo de que ventava muito, era um frio sem chuva, sentia o clima mórbido no ar que fazia arrepiar os poucos pelos dos braços.
Olhava pela janela, não havia brilho, via as folhas flutuando de um lado a outro, acompanhava o movimento delas e refletia minimizadamente sobre as últimas horas. Não estava a filosofar sobre um trilhão de coisas, porém havia sim uma reviravolta dentro de mim que ia do presente ao passado, algo que me deixava até mesmo um pouco tonta.

Tentava encontrar algum sentido, a decepção já tinha tomado conta da minha alegria, da motivação, da minha vontade de respirar, do meu desejo de existir. Não queria a morte, queria o silêncio, queria um calar por horas, porque não tinha o que dizer e nada queria ouvir.
Meu pai não era um super herói. Foi como ter descoberto que o papai Noel não existia. Parece até uma tolice de uma criança de cinco anos. Mas será? Não, a existência do papai Noel e de um super herói sempre me pareceu fazer muito sentido. Da janela não via o vermelho estridente do Natal, nem o colorido do super Homem, via apenas o mundo andando, como sempre andou, só que desta vez eu é que tinha parado.

É difícil parar, porque exige ir contra o movimento habitual e natural do ser humano. Eu dificilmente paro, e quando o faço, descubro que o mundo anda depressa demais.
Minha segurança foi embora, era tão jovem, mas fui obrigada a ver o que não queria ver. Quando vi as marcas na minha mãe, achei que tudo não passava de um pesadelo, contudo foi quando finalmente vi as agressões do meu pai sob ela é que acordei para um mundo novo. E neste mundo, todos os cristais estavam trincados, ao menos, foi a impressão que tive quando entrei nele.

Um super herói não podia agir assim, talvez esse fosse o pensamento mais singular daquele momento, o medo tentando encobrir a decepção, e a decepção tentando encobrir a realidade. Horas depois é que cada sentimento foi tomando o seu lugar. Eu ali, na janela, minha mãe no quarto a assistir TV, e minha irmã mais nova a passear pela vizinhança, despreocupada. Ao menos, parecia estar.

Anos depois me apaixonei, descobri que podia me sentir segura de novo, mas algo em mim sentia revolta daquela segurança, então me lembrei do vento forte daquela tarde de frio sem chuva. Entendi que as coisas mudam, que alguns sentimentos doem por pouco tempo, e infelizmente percebi que algumas marcas ficam por um tempo longo demais. A paixão se foi, as cicatrizes ficaram e as minhas filosofias também. Um sentimento pode substituir o outro, mas, às vezes, não é o que deveria acontecer. Muitos cristais estão intactos, meu mundo voltou a andar e eu embarquei nele.

Um comentário:

Adri.n disse...

Nunca me falaram de Papai noel, o descobri na tv e tirei minhas proprias conclusoes e tambem não soube dos super-herois do faz-de-conta. E quando descobri o faz-de-conta me senti roubada, por nao te-lo vivido em seu tempo. No fim descobri que vivi outro... Mas a vida é melhor sem super-heróis, porque não temos a responsabilidade de ser um deles, só que eles existem de um outro modo, aqui na vida real. E esta talvez seja uma das razões que muitos nao gostam deles (só umas filosofias a mais, meio fora de hora, pra acompanhar, nao resisti :P) ...
Mas constumamos acreditar nos que nao são de verdade, porque não usamos nossa visão de raio x.
Gostei muito de como escreveu, é você inteira! Continua!!!