segunda-feira, 28 de setembro de 2009

1º Curso de Formação de Escritores do SESC

RASCUNHOS

* Entre a xícara e a gota de chá a cair, advinda do saquinho ainda molhado, havia um vento que não fazia os dentes baterem depressa.
Neste vento contemplava-se uma imagem, não tinha chapéu alto , nem um nariz com verruga na ponta.
E era ali, não no mês de outubro que Franklin Cascaes observava bruxas e conversa com elas, sentindo o leve vento passar.



* Esforçava-se para sentar na sua poltrona preferida e quando finalmente conseguiu sentir a almofada macia, seus olhos perderam-se na pilha de fotos a exibir-se na estante empoeirada.
Soprou a poera que lambuzou seu rosto molhado de lágrimas sinceras.



* A cor verde ainda o fazia lembrar daquela blusa de cetim que ela gostava de usar nos jantares de datas especiais.
Após o trabalho, preparou um prato: brócolis, tomates e carne. Sabia que ela se orgulharia e foi assim que começou seu hábito de comer verduras.



* Você e a Clarice Lispector:

- Descobriu que o infinito tinha um gosto salgado, mas que ele oferecia sobremesa.

- Não fosse observada, talvez fosse branca demais, imperceptível, mas tinha brilho.

- Achou dentro do nada um tudo em pleno sentido, não o tocou, observava porque suas mãos cheias de tudo sujaria a pureza do nada.

Era pra ser um Memorial

... e assim se tenta contar uma história. Sou um personagem bem escrito, o meu escritor dizia que meus traços eram inconfundíveis, que eu fui uma criança, como muitas, com problemas até belas beiradas, pais separados, criativa talvez por ser canhota, mas enfim criativa. Minha história já era livro antes de ser livro.
E vou contar como tudo começa, no livro, na minha história, na minha história no livro, e não confunda, eu vivo dentro e fora do livro.
A primeira vez que eu entrei no livro, ou melhor quando alguém leu minha história, eu recordo bem foi aos cinco anos, eu sempre fui muito espoleta, era o que minha mãe dizia. Eu não tinha madrasta malvada naquela época, só tinha minha mãe, minha irmã mais nova e meu pai, um descaso do destino.
Eu gostava de desenhar e escrever, coisas que aprendi de cara com o Pequeno Príncipe, mas meu escritor não cortou minhas asas, ou talvez tenha me feito em alguns momentos surda, pra não ouvir críticas dessa gente adulta que pensa que sabe de tudo.
Tive muitos amigos, eu era meio introspectiva e meio famosa, não sei como conseguia, mas eu conseguia. Eu gostava de ir a biblioteca, me escondia lá no fundo, lia livros da prateleira de cima, participava de festas dos meus colegas personagens, decorava poemas dos amigos do meu criador e os declamava com orgulho. Ganhei até alguns prêmios.
Eu gostava mesmo de estar nos livros, mas eu precisava sair às vezes. Era um saco, mas eu saía. Meu escritor até isso planejava.O mais legal foi quando comecei a argumentar com o meu escritor, eu aprendi a ler, precisava aprender.
Ele me fez uma criança simples, eu era pobrinha e limpinha com orgulho, falava inté meio capirra naquela época, mas eu sabia que inda ia ser alguém na vida.
Fui uma das primeiras a ler na minha classe, nessa história eu nem era protagonista, minha professora que era. E ela era naquelas lindas, tipo atriz de novela mexicana. E ela ensinou direitinho: b com a igual a ba.
Anos mais tarde eu acabei fazendo estágio com ela, que gostosura do destino, méritos ao meu criador.
Meus pais biológicos nunca leram pra mim, heranças dos pais pobrinhos e limpinhos deles. Ainda bem que comigo foi diferente.E eu me formei em Letras Licenciatura, orgulho da família Silva, quer mais brasileiro, pobrinho e limpinho que isso? Aprendi English, só não fui pros states ainda, mas eu vou, há se eu vou.
O jeito caipira ficou pra trás, trabalhei com mestres e até doutores. Aprendi a falar em silêncio, fiz amigos surdos e me tornei intérprete. Meu criador é mesmo um gênio.
Já tava na hora de eu produzir algo, minha herança genética é forte, e meu criador se animou quando eu comecei a lecionar e escrever. Ele dizia que eu era além do meu personagem e que precisava ficar de olho em mim senão eu pulava pra fora dos livros e escrevia o meu próprio final. Também pudera, eu lia tanto os clássicos na escola.
Só que avancei e comecei a ingressar nos contemporâneos, até os alunos que o meu criador me deu eu fiz gostar dos pós modernos.
Meu escritor era especial, mas na minha lista existiam outros tais como Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Eduardo Galleano, José Sarmago, Jostein Gaarder, Lygia Fagundes Telles e Carlos Drummond de Andrade.
Achei que a traça iria me corroer, fiquei um ano e pouco estagnada nas estantes, mas uma bela e sincera amiga me tirou a poeira. Meu escritor está velhinho, mas há tinta em sua pena e eu só não sei mais nada porque ele não escreveu ainda. Ele disse-me ocasionalmente que eu vou voltar a lecionar, porque sou uma súdita voraz, tão voraz que até ando escrevendo histórias, já fiz um curso de escritores do SESC, sonho com contações de histórias e comprei um notebook, substituto sem igual da pena com tinta do meu criador.

domingo, 6 de setembro de 2009

1º Curso de Formação de Escritores do SESC

Rascunhos - 04 e 05/09


* Beijava as camisas sujas de suor e esfregava aos sábados, pela manhã, as marcas de batom próximas ao zíper da calça. Nos domingos, levava as crianças ao parque e dizia a vizinha que era a mulher mais feliz da terra.


* Os lápis de cor pintaram suas vísceras de preto e branco. Enquanto gemiam uma música de ninar.

* Os números faziam massagens nas costas das letras.
Elas reclamavam de dor de cabeça.

* Na fila, já com a ficha na mão, conversava com uma senhora respeito do clima.
Quando sua vez chegou, pediu a ela para segurar a vaga. Precisava ir ao banheiro.

* Escorria-lhe pelo rosto gotas salgadas que ele enxugava manchando0se de graxa.
Os parafusos estavam mais apertados naquela tarde ele e ficou tonto.
Antes de cair no chão fez jorrar de sua boca uma espécie de óleo e a máquina nunca mais pifou.

* As borboletas foram-se embora assim que meu filho nasceu. Com elas, minha amada e suas primaveras.
Depois de dois dias, decidi acabar com o bebê. Matei-o, enchendo-o de espinhos.
Foi ele quem destruiu meu jardim.

* Fez um sinal com a cabeça e deitou-se na cama esperando a coberta.
Antes de dormir, os lábios ficaram molhados e o corpo gerou uma enchente.

* Eu tinha um trabalho agendado para às oito. Lavei minhas ferramentas e sentia-me em nostalgia pela espera.
Não cheguei a tempo, a umidade me assustou, mas gritei meu nome para registrar o que sabia fazer.

* Foi importado de outro estado. Tamanho quarenta e cinco, diferente, cadarços coloridos amarravam-lhe os cabelos. Passeava muito, embora à noite, via TV junto a seu irmão.
Acordava cedo, trabalhava muito, sentia o cheiro de óleo e leva choques esporadicamente.
Seu tempo dividia-se entre o trabalho, a fofoca o estresse no trânsito e os passeios nos morros próximos.
Acumulava energia para ir ao banco e juntava dinheiro para exibir-se.
Seu colorido incomodava, ficava empeirado, às vezes, não conseguia habituar-se com as ordens que recebia.
Quando ficou velho trocou seus coloridos por cadarços cinzas.
Nunca deixou de ser imigrante, reclamava, mas ficou velho e já tinha sua caixa próxima e uma na praia.

* Um homem entra num hotel e sobe as escadas até uma certa altura.
Lembra que esqueceu a chave do quarto e volta com pressa ao estacionamento.
No trajeto pensa na namorada e lembra que tem de comprar um presente de aniversário a ela.
Chega no carro, pega o dinheiro e fecha a porta com força.
Dá o seu segundo boa tarde a recepcionista e já na metade do trajeto lembra da chave.
Chateado, volta, relembra da namorada e pensa que a loja já estava fechada.
Sente dor de cabeça e ao chegar no carro pega um remédio.
Volta ao hotel, seu terceiro boa tarde, lembra que esqueceu de algo.
Pede uma cópia da chave do quarto.