quarta-feira, 5 de agosto de 2009

O mergulho dos pássaros

Contavam os pássaros, ao divertir-se criando histórias lendárias das noites escuras em alto mar, que a praia estava deserta, o céu respingava sombras de nuvens pacientes. E lá no mais profundo do oceano estavam os peixes, vestidos de escamas a taparem seus corpos nus. Não precisavam anunciar sua felicidade, eram o que eram e seus segredos não eram confiscados. Ninguém os processara, não roubavam, não matavam e o alimento, ainda que viesse da morte de alguns, era respeitado, era necessário. Parte da cadeia alimentar marítima.
Os peixes-criança freqüentavam a escola, lhes era ensinado a sobrevivência. Não estudavam minuciosamente regras gramaticais e os cálculos mais difíceis eram ensinados apenas àqueles que decididamente gostavam de entender cada centímetro cúbico de água.
As peixes-fêmea não fofocavam, os peixes-macho não assistiam futebol e ambos não discutiam seus relacionamentos. Não cobravam horários e não dormiam juntos.
O colorido era apreciado, as diferentes espécies não cobiçavam as propriedades alheias, dividiam, não se questionava a criação e os diálogos eram transcendentais. Discutiam o tempo todo, mas não falavam sobre o tempo, adoravam as novidades ainda que depois fizessem críticas a respeito de termos a serem mudados.
Certo dia, bolhas de notícias foram encaminhadas anunciando intrusos no habitat. Os pássaros preocupados tentaram avisar os golfinhos que estavam a apreciar o sol, a informação viera tarde demais e os peixes, conscientes e completamente adaptados a conviver com problemas, mantiveram o ritmo da respiração analisando a novidade de receber novos seres. Organizaram-se sem precisar de gritos e líderes. De pronto, perceberam que a intenção dos novos integrantes ao mar não era permanecer, mas retirar parte de algumas belezas.
Fizeram um acordo. As muitas maravilhas coloridas o mar distribuiria, mas para cada pétala, gotícula retirada, novas espécies deveriam ser introduzidas. O acordo nunca fora cumprido. Os intrusos não souberam ler o contrato – ou fingiram não saber – acabaram devolvendo objetos que ficavam a boiar no mar e que os peixes costumavam chamar de infelicidade.
A vida no mar não perdeu o brilho, os peixes estudaram Direito, novas Línguas e conheceram a cultura, preparando-se para novos encontros. Todavia os intrusos fingiram não ouvir, acostumaram e não mais sentem vergonha. Os peixes sofrem, não desistem e sonham com o dia que tudo isso não passará de histórias contadas por pássaros antigos.

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